Simpatizantes, amigos e parentes de Ascensión Mendieta viram ela realizar o desejo de ser enterrada ao lado do pai na última terça (17), depois de a espanhola passar a vida buscando justiça.
A senhora de 93 anos morreu em Madri, 80 anos depois de seu pai, Timoteo Mendieta, ter sido assassinado por um esquadrão fascista e seu corpo ter sido jogado em uma vala comum.
Ela se tornou uma conhecida ativista pela recuperação de vítimas do ditador Francisco Franco e lutou com sucesso para ter o corpo do pai exumado e propriamente enterrado.
O general Franco foi um dos líderes de um golpe de Estado que deu início à sangrenta Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Após a guerra, ele comandou o país até sua morte, em 1975.
“Agora eu posso descansar em paz”, disse Ascensión em 2017, depois de uma batalha jurídica que a levou até a Argentina depois de vários percalços enfrentados na Espanha.
Sentença de morte
Segunda mais velha de uma família de sete filhos da cidade de Sacedón, a leste de Madri, Ascensión nunca esqueceu como, aos 13 anos, abriu a porta na hora do almoço para um grupo de homens, que descreveu como “bem articulados”. Era outono de 1939; estes homens, soldados, perguntaram pelo pai dela — que fazia uma siesta — e o levaram embora.
De acordo com sua família, Timoteo Mendieta não havia lutado de fato como soldado do lado republicano, que perdeu a Guerra Civil. Mas, além de ser o açougueiro da cidade, era o líder local da União Geral dos Trabalhadores, o sindicato operário espanhol. Na Espanha de Franco, isso era o suficiente para garantir uma sentença de morte.
Mendieta foi fuzilado no paredão do cemitério de Guadalajara em 16 de novembro de 1939, uma das 822 pessoas executadas lá até 1944.
Mas de 100 mil vítimas das execuções de ditadura de Franco continuam enterradas em covas não identificadas na Espanha.
A busca pelos restos mortais
A família não foi autorizada a visitar a vala comum. Para se despedir, jogou flores através do muro do cemitério.
À difícil lembrança do assassinato do pai, se somaram as recordações das dificuldades e do ostracismo enfrentado por sua mãe, obrigada a se mudar, com a família, para um apartamento de um quarto em Madri.
“Minha mãe se tornou uma viúva com sete crianças. Eu não sinto rancor, mas todo mundo que foi morto injustamente deveria estar enterrado decentemente”, disse ela certa vez.
Assim que a democracia foi restaurada na Espanha, após a morte de Franco, em 1975, Ascensión e outros parentes entraram com pedidos às autoridades espanholas para ajudar nas buscas pelos restos mortais de seu pai, mas não tiveram sucesso.
Bem mais tarde, quando Ascensión já estava com 88 anos, uma nova chance na luta para recuperar os restos mortais do pai a levou até a Argentina. Ali, uma juíza, Maria Servini, havia iniciado uma investigação, em nome de várias associações espanholas, sobre crimes contra a humanidade cometidos durante o regime de Franco.
E quando a exumação dos restos de Timoteo Mendieta foi finalmente ordenada por um juiz espanhol, acatando o pedido da colega argentina, foi a primeira vez que uma vítima da era Franco era recuperada através dos tribunais.
‘Feridas infectadas’
Foi uma grande vitória, mas o primeiro pensamento de Ascensión foi em Paz, sua irmã mais nova e companheira na luta — em Guadalaraja e Madri — para poder recuperar os restos do pai, e que havia morrido antes de encontrá-lo.
“Se não fosse por aquela juíza na Argentina, nós nunca o teríamos encontrado. Na Espanha, ninguém faz nada pelos mortos”, disse Ascensión.
Esse engajamento tornou Ascensión uma figura pública nos anos finais de sua vida. Ela ganhou status de celebridade, mas sempre manteve uma visão clara da injustiça que sua família e milhares de outras tiveram que enfrentar durante o regime de Franco. E também do fracasso da Espanha moderna em lidar com o legado sangrento do país.
Depois que seu caixão foi baixado para o mesmo túmulo que o de seu pai, um dos quatro filhos de Ascensión, Francisco Vargas Mendieta, fez um tributo à sua vida, relembrando desde a perda cruel do pai até sua batalha por justiça e por preservação de sua memória histórica, passando pelos tempos difíceis de sua adolescência, quando ela era costureira.
“Muitas pessoas falam que o que Ascensión fez, e o que outros de nós fazemos, reabrem feridas, mas, honestamente, essas feridas já estão infectadas”, disse Francisco.